Amor Pela Câmera - Capítulo 2 - A Gringa Que Tentava Sambar

            Uma garota caminhava nervosamente por um corredor. A garota tinha a pele clara, longos cabelos negros, que estavam soltos e na frente de sua face, uma franja quase cobria seus olhos azuis. A garota era dona de um rosto bonito, que possuía uma pinta do lado esquerdo, logo acima da boca, mas não era só seu rosto que chamava a atenção, pois seu corpo era bem definido, fazendo-a se passar por uma mulher adulta facilmente. Suas curvas eram notadas por causa de suas roupas; calça jeans azul-escura, muito apertada, um top azul-escuro, deixando seu abdome malhado à mostra e ela estava calçando botas pretas com os canos altos por cima da calça, quase chegando aos joelhos. Ela tentava se proteger do frio que estava fazendo no corredor, cruzando os braços na frente do corpo, mas era inútil, pois o local era muito frio, o que a fazia torcer para que seu objetivo fosse um lugar quente e agradável.

            A garota de olhos azuis, fitava o corredor, que não possuía janelas, apenas portas de madeira clara, separadas uma da outra por alguns metros, sempre com uma outra porta na frente e todas possuíam maçanetas cromadas. Ela ficou aliviada por notar os números pretos garrafais nos centros das portas, pois o corredor estava vazio e ela não queria sair batendo em cada porta até encontrar a do seu destino, pois era sua primeira vez naquele lugar. A garota olhava em volta, ainda muito nervosa, o que a fez reparar nos detalhes do corredor, como as paredes bege, cheias de cartazes, adesivos e painéis, de várias cores e tamanhos, todos dispostos aleatoriamente, o que deixava as paredes bem coloridas. O piso gelado era de mármore claro e a garota notou que ele estava precisando de uma limpeza, pois tinha alguns papeis espalhados por ele e se podia notar que tinha poeira, pois suas botas deslizavam um pouco como se tivesse areia no chão, o que só deixava mais difícil sua caminhada nervosa. A iluminação artificial, feita por luminárias compridas, sendo suas luzes em um tom amarelado para deixar o lugar mais aconchegante, não funcionava muito bem por causa do frio, assim, elas só serviam apenas para sua função inicial. A garota pensou que alguém deveria colocar alguma espécie de aquecedor no corredor, pois o lugar parecia ser bem rico e organizado.

            Depois que pegou um celular rosa que estava no bolso da calça jeans, a garota verificou alguma coisa antes de parar na frente de uma porta com o número 37. Ela se preparou para bater à porta, mas parecia não ter coragem, ficou olhado algumas mensagens no celular e só depois de o guardar e respirar fundo voltou a posição de bater à porta. Finalmente bateu, de uma forma apressada.

            — Entra! — mandou alguém com voz feminina, porém autoritária. — A porta está aberta. Você deveria parar de ficar chegando tão tarde antes do dia das provas.

            Depois de respirar fundo, a garota entrou, quase gemendo ao tocar na maçaneta cromada da porta, que parecia de gelo por causa do frio. Ela fechou a porta com cuidado para não a bater e incomodar sua anfitriã, depois ela começou a reparar no quarto, como nas paredes bege e no tapete, que parecia ser bege-escuro, quase verde-escuro, pensou ela. Até no cheiro estranho do quarto ela reparou, mesmo assim, ela agradeceu pelo lugar ser muito mais quente que o corredor, a coitada pensou até em beijar o termóstato. Ela fitou a iluminação artificial do centro do teto, que fazia muito bem seu papel, mas não só de iluminar, pois ali a cor amarelada funcionava, deixando o lugar mais aconchegante. Por mais bizarro que fosse seu devaneio sobre o termostato, ela não sorriu, continuou a reparar no quarto, pensando se aquele tapete que revestia todo o piso era quentinho, e pelo jeito macio dele, talvez fosse, pois ela podia notar, mesmo com suas botas. De frente para porta, a garota de cabelos pretos viu uma cama de solteiro, que ficava no canto entre a parede da esquerda e a em paralelo a da porta, com sua cabeceira encostada a em paralelo. O design da cama era antigo, de madeira escura, com a cabeceira com o topo redondo e as pernas dela eram curvadas. Ao reparar na organização da coberta bege-clara da cama e no travesseiro com sua fronha na mesma cor para combinar, a garota já tinha uma ideia de quem era o dono daquela cama, pois havia mais de uma cama no quarto, só que a outra ficava encostada na parede da direita, porém, ela estava com a coberta bagunçada e o travesseiro jogado em um canto, e eles possuíam a mesma cor das da outra cama. Ela viu a janela que separava as camas, umas das coisas mais modernas naquele quarto, pois ela era de metal cromado. A garota agradeceu pela janela está fechada, mesmo com suas cortinas bege abertas, revelando o que seria uma noite agradável com lua cheia, se a garota tivesse roupas apropriadas para o frio. Foi neste momento que ela reparou que o quarto parecia se divido no meio, pois o lado da cama bagunçada era cheio de pôsteres mal colados nas paredes de forma aleatória. Eles eram de bandas de rock, pop e alguns eram de filmes, e todos sempre enfatizavam homens sem camisas. O contraste era muito grande entre o lado esquerdo e o direito do quarto, o que fez a garota ter certeza de quem pertencia a cama da esquerda. Logo abaixo da janela, havia uma cômoda antiga, seguindo o design das camas; com suas pernas curvadas e seus puxadores de ferro pintado de preto. Sobre a cômoda tinham várias roupas intimas femininas de várias cores e, entre elas, uma tigela branca, do que parecia ter sido servido cereal a alguém, mas pelo jeito foi logo cedo ou há alguns dias, o que fez a garota pensar em como a pessoa que dormia do lado esquerdo aguentava seu companheiro de quarto. Ao olhar para a cama bagunçada, a garota foi a seguindo com os olhos até chegar em dois roupeiros altos com uma única porta cada, que ficavam logo ao lado da cama da direita. Os roupeiros eram antigos, também de madeira escura e possuíam um espelho em suas portas, o que fez a garota ver seu reflexo, ficando desapontada ao notar como estava abatida e como suas roupas eram ridículas. Os espelhos dos roupeiros eram cheios de adesivos, o mais próximo a cama tinha vários de homens sem camisas, enquanto o do lado tinha apenas de silhuetas de borboletas roxas, azuis e rosas, mas o que chamava a atenção era que eles eram postados de forma organizada, combinando tamanho, posição e cor. Finalmente ela chegou no que queria; era uma escrivaninha encostada na parede em que ficava a porta do quarto. A escrivaninha também era antiga, com pernas curvadas e sem gavetas, sobre ela tinha algumas coisas modernas; um laptop preto fechado e uma luminária pelicano desligada, também preta, mas não era só o que havia sobre ela, pois haviam livros grossos fechados e abertos, formando pilhas. Próximo a escrivaninha tinha uma cadeira preta de escritório com rodinhas, que mesmo sendo mais moderna que a escrivaninha, estava claro que era desconfortável, pois seu encosto era baixo e pelo jeito que a pessoa que a ocupava se mexia, pessoa que era o motivo da presença da garota de olhos azuis no quarto.

            Quem estava sentado à escrivaninha era uma garota de pele clara, com cabelos longos loiros amarrados em rabo de cavalo. Seus olhos eram verdes e ela estava usando óculos que tinham uma armação grossa preta. A visitante estava reparando em todos os detalhes da garota, pois fazia tempo que ela não a via, fazendo-a perceber que quase tinha esquecido como a loira era. A loira estava vestida com um camisão branco com uma estampa de uma silhueta de uma borboleta roxa na frente e nos pés ela usava pantufas cinzas, que a visitante se lembrou que foram um presente dela. A garota loira parecia muito atenta aos estudos, sempre lendo algo em um livro e depois indo pesquisar algo em outro, o que a impedia de reparar em sua visitante.

            — Você deveria deixar eu te ajudar com os estudos — disse a loira, sem ao menos olhar para quem estava no centro do quarto. — Depois todos ficam dizendo que eu estou atrapalhando suas notas, pois passamos a noite toda fazendo algo que seria impossível... Principalmente por você ter preconceito. — Ela arrumou os óculos e sorriu. — Não vou te atacar...

            — B-Becca...

            A estudiosa reconheceu a voz na hora. Ela não sabia como reagir. Estava assustada, mas feliz, se sentindo uma estúpida por não ter notado antes quem era sua visitante, o que a fez olhar para o espelho do roupeiro para ver se estava arrumada, depois pulou da cadeira e viu que sua amiga estava com os olhos cheios de lágrimas e parecia muito abatida.

            — Linds! O que aconteceu? — perguntou ela indo até a visitante.

            — Eu fui expulsa...

            — Então era verdade. — Rebecca abraçou a amiga que já estava aos soluços. — Vai ficar tudo bem.

            — Não vai...

            — Vai sim.

            Rebecca ajudou a Linds a se sentar na cama organizada e ficou mexendo nos cabelos da amiga até ela se acalmar para saber o que realmente tinha acontecido, perguntando:

            — Como aconteceu?

            Depois de respirar fundo, Linds começou a contar:

            — Eu e o meu namorado estavam transando, até que ele teve a ideia de fazer um vídeo...

            — Não acredito que era verdade — interrompeu a Becca, muito desapontada. — Mandaram para mim o vídeo... Eu não quis acreditar. Falei para todo mundo que não era você... E agora? A polícia está atrás de você, pois você é menor de idade?

            — Não! Meus pais me expulsaram de casa, depois que souberam do vídeo por alguém da igreja. — Linds voltou aos soluços ao se lembrar de algo. — Os pais do meu namorado me culparam pelo que aconteceu e não me deixaram ficar na casa deles. Depois o filho da puta terminou comigo... Ele me deu 200 dólares como se estivesse pagando a uma prostituta... Só restava ir atrás de você.

            A Rebecca não sabia o que dizer e nem o que fazer. Ela deitou amiga de lado na cama, depois se deitou ao seu lado a abraçando e olhando para seu rosto abatido. Rebecca não aguentou e começou a chorar ao ver sua amiga tão vulnerável e triste. As duas ficaram ali até a Linds dormir, sono que não durou muito, pois pesadelos a fizeram-na acordar.

            — Está tudo bem — confortou a Becca, sorrindo para a amiga.

            — O que eu vou fazer? — perguntou a Linds. — Eu não tenho dinheiro, não tenho um lugar para ficar e... nem tenho outra roupa, a não ser a que estou vestindo agora.

            Rebecca se levantou apressada e começou a mexer na cômoda do quarto. Linds ficou confusa com a reação da amiga e perguntou:

            — O que você está fazendo?

            — Se lembra que eu falei que sonhava com o dia que você fosse me visitar na faculdade? — Becca viu a amiga confirmar balançando a cabeça. — Não queria que fosse numa situação como esta, mas finalmente você está aqui... Tinha tantas coisas que eu queria de mostrar.

            Linds começou a notar que sua amiga estava fazendo as malas, que ela pegou debaixo da cama. As malas eram pretas com rodinhas.

            — O que está fazendo?

            — O que eu deveria ter feito depois que terminei a escola...

            — O quê? — Linds ficou mais confusa no momento que Becca colocou um casaco preto nela como se fosse sua filha.

            — Não importa o que aconteça, eu vou cuidar de você para sempre... Eu prometo.

            Os olhos da duas estavam cheios de lágrimas, mas a Rebecca continuava a fazer as malas.

            — Você não pode fazer isso — disse a Linds. — E seus estudos? Seu futuro?!

            — Não se preocupe com isso... Se eu estiver com você não vou precisar de mais nada.

            Depois que terminou as malas, Rebecca trocou de roupa; calça jeans preta, uma blusa branca, um blazer cinza por cima e um par de botas pretas. As duas foram saindo do quarto. Ao saírem foram surpreendidas por uma garota, que possuía cabelos castanhos curtos e olhos também castanhos. A garota era bonita e um pouco mais alta que a Becca. Ela estava usando um casaco preto, calças de moletom cinzas e tênis preto. Ela ficou confusa ao ver a Becca saindo puxando as malas de rodinha.

            — Amanhã tem prova — avisou a garota de olhos castanhos.

            — Que se dane a prova! — gritou a Rebecca, beijando os lábios da outra garota em seguida. — Eu sei que você escondia que gostava de mim fingindo ter preconceito... mas eu amo outra pessoa.

            Não era preciso dizer para Linds que a pessoa que a Rebecca amava era ela, por isso ficou lisonjeada, o que a fez ajudar sua amiga, puxando a outra mala, depois ela a abraçou. As duas foram caminhando lentamente, uma ao lado da outra. Linds se sentia protegida, parecia que nada daria errado ao lado da Rebecca. Enquanto a antiga companheira de quarto da Rebecca, continuava com a mão sobre os lábios beijados. Ela se encostou na parede e notou que realmente tinha gostado, o que a fez suspirar.

            Do lado de fora do dormitório, Linds ficou observando a lua cheia, depois foi olhar para o prédio do dormitório. Ela notou que não teve muito tempo para fazê-lo no momento que chegou, pois estava muito frio. O prédio tinha dois andares. No meio dele tinha uma porta dupla grande de madeira clara com alguns degraus para alcançá-la e a fachada era cheia de janelas; algumas largas e outras quadradas, e na sua maioria estavam com as cortinas fechadas, mas se podia notar as luzes do interior pelas frestas das cortinas. Becca achou estranho sua amiga ficar observando o prédio, pois quem deveria fazer isso era ela, pois estava indo embora do lugar que foi seu lar por um tempo. As duas iam seguindo pelo caminho de concreto dividindo o gramado que possuía algumas árvores dispostas aleatoriamente. O lugar estava escuro, mas não muito por causa da grande lua cheia, que iluminava a noite.

            — Você me espera aqui? — pediu a Becca, ajudando a amiga a se sentar em um banco de praça preto, que estava na calçada de concreto. Ao lado do banco tinha um poste de metal preto com dois globos. Linds notou que o banco foi escolhido pela Becca para não a deixá-la no escuro. — Eu já volto.

            Linds ficou esperando até que resolveu dar uma volta, puxando as malas da amiga. Ela viu a Becca em dentro de uma sala por uma janela grande. Não dava para ver com quem ela conversava e nem escutar, mas pelos gestos dela e pelo seu semblante, estava claro que era algo sério. A Rebecca parecia que estava ofendendo alguém, que entregou para ela uma espécie de documento, que ela o rasgou e jogou contra a pessoa. Ao notar que a amiga já ia voltar para o lado de fora, Linds correu até a entrada do dormitório.

            — O que aconteceu? — perguntou ela ao ver a Becca, um pouco abatida.

            — Não se preocupe com isso. Vamos ficar na casa dos meus pais até eu achar um lugar.

            — O-Obrigada...

            — Não agradeça ainda.

 

            Na noite do dia seguinte. Linds aguardava na frente de uma linda casa com dois andares. Linds tinha dado uma boa reparada na casa, pois fazia tempo que não ia até ela. A casa tinha sua fachada constituída por pranchas de madeira na horizontal, todas pintadas de branco. No meio da casa, uma porta de madeira pintada de branco e com as laterais com vidros para ver quem estava do lado de fora, fez a Linds se lembrar da Becca, ainda criança, olhando pelos vidros, enquanto a mãe dela reclamava, explicando que a Becca estava de castigo por algo que a Linds tinha a forçado a fazer. A lembrança a fez sorrir, pois Linds não era a melhor companhia para a Rebecca, mas agora estava claro que a Rebecca era sua melhor amiga. Sempre foi, pensou ela. Linds aguardava na pequena área coberta e com uma luminária simples branca no teto. No lado esquerdo e no direito da casa, haviam duas largas janelas de madeira pintadas de branco. As janelas possuíam cortinas brancas, que estavam abertas, deixando a luz do interior sair e se projetar no jardim na frente da casa. No andar de cima, se podia ver duas janelas menores no mesmo estilo das do andar inferior, porém, estavam com suas cortinas fechadas e as luzes do interior estavam desligadas, mas Linds sabia que a janela da esquerda era a do quarto da amiga. O telhado da casa formava um triangulo ao se vista de frente, as telhas eram azul-escuras e tinham a forma redonda, como se fossem gotas. Telhado que a Linds e Becca já caíram uma vez, quando elas eram menores. Becca quebrou o braço e a Linds a perna. Mesmo sendo algo muito doloroso ela sorriu, pois se lembrou que pôde ficar na casa da amiga até melhorar, o que deixou a mãe da Linds muito irritada no começo, mas depois a mãe dela até ajudou a da Becca com comida e até dinheiro. Naquela época as mães das duas começaram a gostar da amizade que as filhas tinham uma pela outra.

            Linds começou a caminhar pelo jardim, pensando no motivo da demora. Novamente ela viu a Becca por uma janela e ela novamente estava discutindo com alguém. Só que agora ela conseguiu ver quem era a outra pessoa. Era a mãe da Rebecca, que parecia uma versão mais velha dela, porém, sem óculos, com os cabelos amarrados em forma de coque e usando um vestido longo verde-escuro. As duas pareciam estarem bem irritadas. Linds queria poder escutar, mas não conseguia. Depois que a Becca saiu da sala, ela demorou um pouco para voltar com duas outras malas pretas de rodinhas.

            — O que aconteceu? — perguntou a Linds.

            — Não poderemos ficar aqui, mas eu vou dar um jeito. — Becca apontou para as malas. — Vou vender estas coisas e com o dinheiro que eu tinha guardado poderemos nos aguentar por alguns meses. Tempo suficiente para conseguimos empregos.

            — Não precisa fazer isso...

            — Não se preocupe com isso. — Rebecca forçou um sorriso. — Escolha uma cidade, ou país. Não me importo onde seja, só quero ficar perto de você.

            — Chicago — disse a Linds, sorrindo para a amiga.

            — Então vamos. — Becca saiu na frente, puxando duas malas, sem notar que sua mãe olhava pela janela, desapontada com ela.

            — Espere por mim — pediu a amiga da Becca, que pelo sorriso, já estava se sentindo bem melhor.

            — Não seja tão devagar.

            — Não sou devagar — discordou a Linds, puxando as outras duas malas.

            As garotas começaram a rir. Rebecca parou na frente da amiga e ficou a fitando. Linds ficou confusa.

            — Eu vou cuidar de você para sempre. Eu prometo.

            Rebecca parecia que ia beijar os lábios da Linds, que até fechou os olhos, mas apenas sentiu um beijo no rosto. Mesmo assim ela gostou e estava perfeito para ela. As duas voltaram a caminhada e a sensação que nada podia as parar as dominaram, fazendo-as correrem, rindo e puxando as malas.

 

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            O som do Skype já estava tocando há um bom tempo, quando a Alyana despertou. Ela olhou em volta e viu que já era dia, pois a luz do dia podia ser vista pelas frestas da cortina persiana. Alyana estava com muito sono, pois fazia tempo que não tinha uma noite de sono decente. Sempre atormentada por pesadelos ou um sentimento irracional de medo, que a fazia pensar em pedir para a Becca dormir em seu apartamento, mas ela sabia que sua amiga jamais faria isso. Não depois do que ela fez anos atrás. Alyana riu ao lembrar-se de algo do passado e se virou para poder ver quem estava a chamando no Skype, mas ela já sabia que era a Becca.

            — Uau! — surpreendeu-se a Becca ao ver o estado da amiga. — Não conseguiu dormir? Espero que você use bastante maquiagem para hoje...

            Alyana abriu a boca, se sentou e esticou os braços.

            — O que tem hoje?

            — Você tem que seguir seu cronograma.

            — Não estou com vontade de fazer isso hoje...

            — Não é você que decide. — Becca ficou irritada, pois parecia que a Alyana não queria levar a sério seu trabalho. — Esqueceu que só tem um pouco mais de 100 mil fãs pagantes? Para reconquistar seu público é necessário fazer vídeos novos. Principalmente de personagens inéditas.

            — Eu prometo que eu faço amanhã. Hoje...

            — Vai ligar para seu namoradinho gay?

            Alyana ficou envergonhada, pois era o que ela tinha em mente.

            — Não! Eu não vou ligar para ele. Acha que eu sou o tipo de garota que fica atrás de um homem como um cachorrinho?

            — Como é que consegue ser tão devagar...

            — O quê?

            — Não é nada. Apenas se lembre que seus fãs estão te esperando.

            — Não me esqueço deles. — Alyana fez uma expressão de nojo, que sua amiga ignorou. — Você vai vir aqui?

            — Só mais tarde. Tenho uma reunião com um dono de um estúdio.

            Aliviada, Alyana fechou o laptop e foi se arrumar, pois queria impressionar o Alek ao recebê-lo, mas ela estava com medo dele descobrir o que ela fazia para viver, ou ele realmente ser gay.

            — Coragem garota chorona — disse ela para si mesma, soltando o resto da trança que a Becca tinha feito em seus cabelos no dia anterior. — Será que a Becca tem razão sobre eu tomar cuidado?

            Ao ir para a sala, Alyana ia ligar para o amigo, mas ainda era cedo, por isso ficou fitando a caixa que ele tinha trazido no outro dia. Ela acabou por ter uma ideia, que a fez rir maliciosamente.

            — Becca vai me matar... Que se dane a Becca!

            Decidida, Alyana voltou ao seu quarto, usou uma blusa rosa-clara, uma saia curta em um tom de rosa mais forte, penteou os cabelos, deixando duas mexas caída uma de cada lado do rosto em frente das orelhas, enquanto o resto dos cabelos os deixou amarrados em rabo de cavalo e por último, passou um batom rosa-claro em seus lábios, mas percebeu que precisava esconder as olheiras, e o assim o fez com maquiagem. Ela pegou o laptop rosa e com cuidado levou a câmera com o tripé para a sala. Ela preparou tudo, deixando a caixa que tinha ganhado do Brasil ao seu lado no sofá, depois que jogou a sujeira que deixou no sofá no dia anterior no chão. Terminou por ajustar a câmera e ensaiou um sorriso.

            — Oi! Eu sou Alyana Rubi. — Ela se apresentou olhando para a câmera, se achando estúpida, pois o vídeo que estava fazendo era muito diferente do que tinha costume de fazer. — Estou reativando meu canal do Youtube depois de 11 anos para fazer um unboxing diferente. — Alyana apontou para a caixa ao seu lado com a bandeira do Brasil à mostra. — Como todos notaram, é uma caixa surpresa do Brasil, que eu ganhei dos meus fãs, que são: Carlos e Mariana.

            A mulher pegou um estilete e começou a cortar as fitas da caixa.

            — Quer surpresa eu terei aqui... Tenho que dar uma espiada antes para saber se tem algo inapropriado para o Youtube. — Ela começou a rir e remexer a caixa, foi o momento que viu que seu show ao vivo no Youtube estava começando a fazer sucesso, pois já tinham mais de 50 mil pessoas assistindo e comentando, o que a fez pensar em como a Becca estava errada. Alyana retirou um pacote de plástico transparente, revelando o conteúdo ser algo com as cores da bandeira do Brasil. — O que será isso? Uau! Um biquíni... minúsculo.

            Rindo maliciosamente ao mostrar o biquíni, Alyana acabou por ter uma ideia.

            — Já volto.

            Ao voltar para frente da câmera, Alyana estava usando o biquíni. Era um fio dental com estampa da bandeira do Brasil, com as cores verde e amarelo bem forte. Ela ficou um pouco nervosa, pois parecia que estava mostrando demais e poderia acabar por ser censurada.

            — Voltei. Acho que eles erraram o meu manequim. — Alyana leu uma mensagem de um brasileiro que assistia ao vídeo ao vivo, dizendo que era assim mesmo. — Assim mesmo? Uau! As pessoas no Brasil são bem liberais.

            Ela voltou a mexer na caixa e achou sandálias com a bandeira do Brasil estampadas sobre ela, o que fez pensar que as pessoas no Brasil eram bem patriotas. Ela as usou e continuou a retirar os presentes da caixa; um grande enfeite em forma da estátua do Cristo Redentor, que possuía um LED verde e amarelo. Depois ele retirou duas garrafas de cachaça, que ela não notou se tratar de bebidas alcoólicas. Por último ela tirou um DVD com os sambas enredos do Carnaval de dois anos atrás, mas como estava escrito em português, Alyana não soube do que se tratava.

            — Obrigada pelos presentes. Espero que vocês tenham aproveitado o unboxing da caixa do Brasil. Acho que vou fazer mais vídeos ao vivo como este. Mandem suas caixas de seus países, mas não mandem nada inapropriado, se não, nunca poderei fazer vídeos com seus presentes.

            As pessoas começaram a reclamar, pois o show foi muito curto. Um dos fãs explicou que o DVD era de música e que ela deveria escutar antes de terminar e dar a opinião dela. Alyana estava muito enferrujada para o Youtube, diferente do outro tipo de show que ela fazia, por isso seguiu o conselho do fã e logo o som do samba começou a invadir todo o apartamento. Alyana agradeceu por não ter muitos vizinhos, pois com certeza já estariam reclamando.

            — Eu gostei. É um som que contagia. — Ela começou a se remexer ao ritmo da música.

            Ela viu alguém a mandando beber um pouco das bebidas. A pessoa avisou que ela ia gostar muito. Alyana pegou um copo grande de vidro na cozinha e o encheu até em cima, sem entender o motivo de seus fãs colocarem mensagens que ela ia acabar morrendo ao beber aquela quantidade. Ao beber o primeiro longo gole, notou que tinha álcool e era muito forte. Ela fez uma careta.

            — Não posso beber isso — avisou, sem fazer esforço para não beber um segundo gole.

            Alguém a mandou fazer uma Caipirinha. Alyana ficou atenta e correu na cozinha, voltando com gelo e limão. Ela seguiu as instruções e depois bebeu a Caipirinha malfeita.

            — Agora ficou muito melhor. — Ela esvaziou o copo e voltou a preparar outra Caipirinha gigante, como os fãs estavam chamando por causa do copo que ela estava usando. — Eu deveria tentar dançar. Como chama essa música?

            Depois que alguém respondeu, Alyana procurou no Google sobre o samba e logo achou um tutorial como sambar. Ela começou ensaiando uns passos ao lado do sofá, em que ela virou a câmera para que todos pudessem vê-la. Não largava o copo de bebida. Já estava completamente bêbada, nem ligava mais para suas roupas serem tão reveladoras, fazendo comentários surgirem aos montes e o número de acessos triplicar.

            De repente, Alyana perdeu o equilíbrio e torceu o tornozelo. Ela caiu de costas no chão, mas o álcool a impediu de sentir dor, por isso ela começou a rir, pegou uma garrafa e começou a beber, derramando boa parte em seu rosto e no chão. As pessoas não percebiam que ela estava com problemas e achavam engraçado. Ninguém perguntou se estava tudo bem, mesmo eles ainda podendo vê-la pela câmera, ou melhor, parte dela. Alyana acabou desmaiando por causa do álcool.

 

            Um cheiro bom de comida fez a Alyana despertar em sua cama. Ela notou que estava com uma forte dor de cabeça e uma mais fraca em seu tornozelo. Ao olhar em volta, notou que estava em seu quarto e que já era noite, pois as persianas estavam abertas. Estava escuro, mesmo com a iluminação dos outros edifícios invadindo um pouco o quarto pela janela. Confusa, ela se sentou encostada à cabeceira da cama.

            — Becca! — chamou.

            Ao escutar alguém mexendo na maçaneta da porta e ligando a luz do quarto, Alyana abriu um largo sorriso, mas ficou surpresa ao ver o Alek. Ele estava usando uma camisa polo azul-clara, calça jeans azul-escura e sapatos sociais pretos, combinando com o cinto na mesma cor. Ele parecia nervoso com algo e carregava com ele dois pratos com comida, dos quais vinham o cheiro bom.

            — Fiquei preocupado — avisou ele, sorrindo para a Alyana, que ficou mais confusa, ao notar que estava com um vestido longo branco, que era simples, de alças nos ombros e que fazia tempo que ela não o usava. — Desculpe, você está com fome?

            Alyana fez que sim com a cabeça e o Alek entregou o prato para ela. A comida eram dois pães franceses cheio de carne desfiada, com molho e com queijo grelhado por cima. Parecia muito bom e o cheiro era muito agradável.

            — Eu tive que usar sua cozinha. — Alek riu ao se lembrar de algo. — Você não deveria usar o seu forno como armário.

            Ainda confusa, Alyana deu uma mordida no pão e notou que o gosto era bom, pois tinha queijo misturado a carne, que ela não conseguia reconhecer que tipo era. Pensou que talvez fosse alguma comida comum no Brasil.

            — Espero que tenha gostado — disse o Aleksandr, indo se sentar na cama ao lado da Alyana, mas ele a esperou mostrar que não tinha problema ele se sentar ali. — Deu trabalho encontrar o pão e a carne perfeita... Também tive que comprar uma panela de pressão. — Ele riu e deu uma mordida no pão. — Sua cozinha está muito desequipada. Como consegue cozinhar nela? Só achei guloseimas nos armários.

            — Eu não cozinho — respondeu a Alyana com a boca cheia. — Não sei nem fritar um ovo. Não precisava comprar uma panela. Foi muito caro?

            — Não. É um presente meu para você... Veja como aqueles presentes que os youtubers ganham, apesar de que, não achei nenhuma panela de pressão rosa ou da D.Va.

            Os dois acabaram rindo.

            — Já notou que eu gosto da D.Va? — perguntou a Alyana comendo um pouco do sanduíche depois. — Ela é tão gostosa com aquela roupa apertada...

            — Como? — Aleksandr perguntou de uma forma que a Alyana ficou envergonhada. Ela começava a achar muito difícil falar com alguém como o Alek, pois ele não parecia se uma pessoa vulgar como ela. Isso a deixou um pouco triste.

            — Quero dizer: Ela é bem legal. Gosto muito do visual dela.

            O amigo da Alyana sorriu.

            — Não sei como seus pratos não são da D.Va?

            — Eu tenho um jogo de pratos novos com todos os personagens do Overwatch — revelou a Alyana, muito orgulhosa. Ao morder novamente o sanduiche, ela fez uma expressão de satisfação que o amigo gostou de ver.

— Gostou do sanduíche? É receita da minha mãe. Ela sempre preparava, depois que eu e minha amiga passávamos a tarde toda jogando videogame.

            — Sim! É muito bom! É receita do Brasil?

            Aleksandr riu antes de responder:

            — Sim, mas acho que existem versões da mesma em outros países, mas usando nomes e ingredientes diferentes. Me responda por que nunca usou seu jogo de pratos do Overwatch? Tem medo de estragá-los?

            — Não. Eu só queria servir algo especial algum dia neles para meus amigos. Algo que eu preparasse.

            — No dia que acontecer, me convide.

            — O que aconteceu? — Alyana, deu outra mordida no sanduiche, sujando seu rosto. Queria devorar o sanduiche de uma vez logo, pois estava achando muito bom. Ela agradeceu por nunca ligar para carboidratos ou calorias. — Eu não me lembro de ter chegado até meu quarto.

            — Eu já volto.

            O amigo da Alyana saiu correndo do quarto e voltou com uma jarra de vidro com suco de laranja e com duas canecas personalizadas do jogo Zelda, onde cada uma tinha o logo do jogo e eram verde-escuras. Alek encheu as canecas, depois ele limpou o rosto da Alyana com um papel toalha. Ela gostou, mesmo parecendo uma criancinha com seu pai limpando seu rosto. Ele entregou uma caneca para sua amiga e bebeu um longo gole da sua antes de explicar o que aconteceu:

            — Você não se lembra? Não sei ao certo como aconteceu, mas você caiu dançando e me ligou. Achei que era algo sério, pois não entendia o que você falava. Ao chegar aqui, descobri que você estava bêbada e com o tornozelo torcido... Fiquei muito preocupado.

            — Minhas roupas? — Alyana ficou assustada, entregando a caneca ao amigo, que a colocou ao lado da dele sobre o criado-mudo. — Você não fez nada comigo, enquanto eu estava bêbada...

            Alek riu, mas depois ficou com o semblante bem sério.

            — Ninguém tem o direito de fazer algo com alguém sem o seu consentimento, por mais vulnerável que a pessoa esteja. E sim, eu tive que a vestir com esse vestido. Não encontrei nada menos revelador do que ele.

            Alyana notou que ela não estava cheirando a bebida.

            — Você me limpou?

            — Sim.

            Com certeza ele é gay, pensou a Alyana sorrindo, se lembrando que alguém segurava seus cabelos enquanto ela vomitava no banheiro, porém, suas lembranças estavam confusas e logo ela pensou que seu apartamento estava do jeito que faria sua amiga querer matá-la.

            — Meu apartamento está uma bagunça...

            — Não. Eu arrumei tudo e limpei. Não se preocupe com isso. Apenas descanse e coma.

            — A Becca vai me matar. Não deveria ter bebido álcool.

            Depois de morder o sanduiche, Alek perguntou:

            — Você já teve problemas com álcool?

            — Sim, mas faz tempo. — Alyana já estava começando a comer o segundo sanduiche. — Na época, minha amiga me ajudou... Seu eu soubesse que aquelas bebidas eram alcoólicas, não tinha as bebido.

            — Não se preocupe com isso. Eu derramei o que sobrou na pia da cozinha e joguei as garrafas fora.

            A dona do apartamento teve seu rosto novamente limpado pelo Aleksandr, o que a fez rir e perguntar:

            — Você é gay? — Idiota, pensou ela ao fazer a pergunta. Alyana começou a mexer nos cabelos.

            Aleksandr começou a rir.

            — Não vou responder. Vou fazer assim: Vou deixar você descobrir, mas não responda agora. Pense um pouco e outro dia me fale sua conclusão, se ela estiver errada ou certa, eu digo a verdade.

            Os dois começaram a rir.

            — Só quero saber, pois você é muito bom, sabe cozinhar e fala de forma tão educada...

            — Ninguém é plenamente bom — interrompeu o Alek, em um tom de voz sério como se lembrasse de algo.

            — Você é.

            — Você estava sambando?

            Alyana mexeu o pé e notou que seu tornozelo já estava bem melhor.

            — Acho que sim... O que você fez no meu pé?

            — Passei remédio e por falar nisso. — Alek pegou algo em um bolso da calça. Era uma cartela com comprimidos. — É bom para a ressaca e para seu machucado.

            Relutante, Alyana aceitou e engoliu o comprimido com ajuda do suco. Ela só estava desconfiada do Alek por causa da sua amiga. Maldita Becca, pensou ela fitando o Alek, que com certeza não parecia ser uma má pessoa. Ela fica me deixando assustada, pensou ela novamente.

            — Acho que amanhã já poderá voltar a sambar por aí — disse ele, terminando de comer o último sanduiche de seu prato. — Gostaria te vê-la sambando.

            Alyana riu e voltou a comer.

            — Será que eu tenho futuro no samba?

            — Com certeza...

            — Só está falando isso para ser legal. Você nem me viu sambando.

            Os dois começaram a rir. Foi neste momento que a Alyana notou que estava se sentindo feliz e que fazia tempo que não se sentia assim.

            — Não é verdade — discordou o Aleksandr. — Eu sou uma pessoa que acredita que todos podem conseguir tudo o que querem se esforçando. Como você, que não sabe ainda, mas é uma mulher incrível. Viver sozinha em uma cidade tão grande e ainda ser youtuber. Eu ficaria paralisado na frente de uma câmera.

            — Você é tímido?

            — Não sei dizer.

            — Para mim não é. De qualquer forma, você também poderia ser tornar um youtuber, se esforçando um pouco.

            Novamente os dois riram e ficaram se fitando nos olhos por alguns instantes.

            — Então... jogando muito videogame? — perguntou a Alyana, que tinha ficado envergonhada.

            — Eu estava jogando alguns jogos antigos japoneses, mas depois voltei para o Borderlands. — Alek coçou a cabeça e pegou o prato já vazio da Alyana e o colocou em dentro do seu prato. — Não sei o que aquele jogo tem, mas sempre volto para jogá-lo. Acho que é meu outro vício.

            — Qual Borderlands? — Alyana terminou de beber o suco e entregou a caneca para o amigo, que foi colocar a louça suja sobre a escrivaninha.

            — Eu gosto de todos, mas principalmente do Borderlands 2... Jogo com a Maya.

            — Eu gosto de jogar com ela também. — Alyana mordeu os lábios inferiores, deixando o Alek confuso. — Ela é muito gostosa.

            — Como?

            Alyana forçou um sorriso.

            — Quero dizer: Ela é legal. Qual jogo japonês você estava jogando?

            — Quer adivinhar?

            Concordando com a cabeça, Alyana pediu umas dicas:

            — Ele é para qual videogame?

            — Playstation 2.

            Ao pensar um pouco, Alyana riu e tentou seu primeiro palpite:

            — Final Fantasy 10.

            — Errou — disse o Alek. — Não tem como você descobrir tão fácil, mas você acertou que ele é um RPG, porém, não é tão popular, mesmo assim faz sucesso e ele ganhou uma nova versão há pouco tempo.

            Alyana começou a pensar e de repente sorriu.

            — O que eu ganho se acertar?

            — Posso fazer um jantar especial para você no próximo dia.

            — Só mais uma dica... Ele tem sistema de batalha em tempo real?

            — Não.

            — É o... Persona, mas não sei qual.

            Alek riu e bateu palmas.

            — Incrível. Você realmente é uma gamer.

            — Acertei? Eu estava pensando em dizer Shadow Hearts, mas ele não ganhou uma nova versão.

            — Era Persona 3. Eu joguei, mas voltei para o Borderlands.

            — Senta aqui — pediu a Alyana apontando para o lado de sua cama.

            Relutante por causa do sorriso malicioso da amiga, Alek se sentou encostando-se a cabeceira da cama, tomando cuidado para não colocar os sapatos sobre a cama.

            — Eu não mordo — brincou a dona do apartamento. — Não vou fazer nada de errado. Prometo.

            Os dois começaram a rir.

            — Jogou o que mais? — Alyana notou que ela estava o interrogando para saber se realmente ele era um gamer, ou só se era uma mentira para ele se aproximar dela. Isso a fez sorrir, pois se lembrou que várias pessoas faziam isso com ela para saber se realmente ela jogava videogame.

            — Muitos jogos, mas também gosto de jogos de ação antigos.

            — Devil May Cry? God of War?

            — O Devil May Cry 3 estava jogando ontem. Acredita que ainda estou tentando conseguir liberar todos os segredos dele?

            — Também gosto de Devil May Cry. O Dante é muito gostoso... Quero dizer: Bonito, mas não gosto do Dante no DMC, acho o da antiga série muito mais legal.

            Alek riu, deixando sua amiga confusa.

            — Eu também não gosto do Dante do DMC, mas acho melhor não contar isso por aí... Algumas pessoas nos matariam se soubessem.

            Os dois acabaram rindo. Se sentindo mais feliz do que o costume, Alyana propôs:

            — Deveríamos jogar juntos algum dia... Vamos marcar algo... Quem sabe podemos... — Alyana mordeu os lábios inferiores. — Esquece. Vamos jogar algum dia, eu você e até a Becca. Você vai gostar dela, apesar de que, ela é uma pouco mandona.

            — Eu adoraria jogar com você e sua amiga... Já que você gosta muito dela.

            — Por que você acha isso?

            — Sempre fala nela. Não que seja ruim, mas só me deixa com mais vontade de conhecê-la.

            — Você vai conhecê-la...

            Como se a Rebecca tivesse adivinhado, Alyana escutou ela a chamando na sala.

            — Eu deixei a porta aberta — lembrou a dona do apartamento, ficando nervosa. — Foi assim que você entrou? Ela vai reclamar a noite toda.

            Aleksandr coçou a cabeça e ficou preocupado.

            — Na verdade eu tive que forçar a porta, pois os trincos estavam fechados — ele sorriu —, mas eu já os troquei...Acho melhor eu ir embora...

            — Não vá. — Alyana estava se sentindo estúpida, pois parecia muito carente, o que era a impressão que ela mais odiava de passar.

            Ao ver a expressão de cachorro pidão da Alyana, seu amigo sorriu.

            — Tenho que trabalhar amanhã. Vou planejar nosso dia de jogo antes de dormir. Ele tem que ser perfeito.

            — Até logo — despediu-se a Alyana, ficando triste, condenando a Becca por ela aparecer.

            — Se precisar de qualquer coisa é só me ligar — avisou o Aleksandr, apontando para o smartphone da Alyana sobre o criado-mudo. — Prometo que vou fazer o possível para visitá-la caso me ligue.

            — Eu vou ligar.

            — Assim espero.

            O homem saiu do quarto, e depois de alguns minutos, Rebecca entrou com um prato de comida. Ela estava usando um blazer cinza-escuro, que estava aberto na frente. O Blazer estava por cima de um vestido preto social com alças, que era um pouco apertado, principalmente na cintura, na qual estava com um cinto preto com fivela prateada. A saia do vestido era longa, chegando um pouco depois dos joelhos, revelando a meia-calça preta e grossa. Rebecca também estava usando botas pretas com salto, mas não muito alto. Os cabelos dela estavam amarrados em rabo de cavalo e mesmo por seus óculos, se podia notar sua preocupação.

            — O que você estava pensando?! — perguntou a Rebecca, em um tom muito irritado. — Estava bebendo na frente de várias pessoas! Está ficando louca?! E o que eu falei sobre o Youtube?! E ainda ao vivo! Por que você tem que deixar a minha vida tão difícil?! Não acha que já tenho trabalho demais como sua empresária?! Agora tenho que voltar a cuidar de você como se você fosse uma criança!

            — Não precisa cuidar de mim — disse a Alyana, de forma tão calma, que só serviu para irritar mais ainda sua amiga.

            — Preciso sim! Sou sua empresária, sua amiga, sua mãe, sua empregada, sua entregadora, sua nutricionista. — Rebecca experimento o sanduiche. — Hum! Isso é muito bom, mas tenho que continuar. No que eu estava falando?

            — Que você é minha amante...

            — Engraçadinha. Também sou sua psicóloga, sua contadora e não posso esquecer que também sou sua cafetina. Você conseguiu 30 inscritos e pagantes na sua “Lista do Sexo”.

            — Então deveríamos comemorar. Isso dar um total de quantos dólares... São 2 mil por pessoa...

            Becca revirou os olhos.

            — Sério?! Também sou sua professora?! São 60 mil. Não acha que já chega?

            — Não. Eu ainda estou decidindo um valor para parar.

            — 30 dias transando não está bom para você? Sabe que a maior parte dessas pessoas vão transar com você umas dez vezes no mínimo ao dia? Sem contar que eles vão querer fazer coisas estranhas...

            — Não se preocupe com isso — discordou a Alyana, mexendo nos cabelos. — Eu sei o que estou fazendo.

            Becca se sentou na cama ao lado da amiga e observou seu tornozelo. Ela começou a balançar a cabeça, desapontada.

            — Estou ficando cansada de chegar aqui e a encontrar mutilada...

            — Mutilada?! Não acha um exagero? Só torci o tornozelo.

            — Acho que não adianta dar um sermão em você, mesmo depois do que aconteceu no ano passado. — Becca notou que sua amiga ficou triste e começou a mexer nos cabelos. —  Então... me conte o que aconteceu aqui e por que seu namoradinho gay estava aqui e cozinhou esta delicia?

            Alyana riu como a amiga falou da comida, que pelo jeito como a devorava, sem ligar em sujar o rosto, tinha gostado muito.

            — Eu vou contar os detalhes, mas não fique mais irritada. — Ela esperou a amiga concordar com a cabeça para continuar: — Eu fui uma teimosa, estúpida e fui fazer um vídeo para o Youtube. Pensei que sairia tudo bem, mas não foi bem assim. Eu estava dançando música do Brasil e tinha bebido um pouco... mas eu juro que só soube que tinha álcool depois do primeiro copo.

            — Vou tentar acreditar, mas continue.

            — Depois que eu cair, não me lembro mais o que aconteceu. Eu despertei com esse cheiro de comida maravilhoso e com o Alek aqui.

            Rebecca terminou de comer em tempo recorde, deixando a Alyana admirada.

            — E por que você o chamou? — Ela estava sendo ciumenta e a Alyana notou, rindo discretamente. — Sou sua melhor amiga e sirvo para essas coisas.

            — Não foi por mal. — Alyana pegou o smartphone rosa dela e começou a procurar algo. — Eu estava bêbada e acabei ligando para ele sem querer... Sorte que o Alek achou que tinha algo errado e veio me ajudar...

            — O que eu faria também. — Becca colocou o prato sobre os outros e não gostou da pequena bagunça sobre a escrivaninha. Ela queria sair dali para lavar aquelas louças sujas, mas não podia deixar sua amiga agora. — Posso ver seu telefone?

            A amiga entregou o smartphone e ficou observando a Rebecca procurar algo.

            — Seu namoradinho gay não tentou nada de errado? — Ela esperou a resposta da amiga, que a fez com a cabeça, negando. — Que estranho...

            — O quê?

            — Não existe chamada feita para o número do Alek. Tem certeza que ligou para ele? Ou melhor... Como ele entrou?

            Alyana sorriu falsamente.

            — Eu meio que... deixei a porta aberta... mas ele acabou por quebrar os trincos que estavam fechados. Só não precisa se preocupar, pois ele avisou que já os trocou...

            — Não vou falar nada... Ou melhor, vou sim: Não consegue cuidar de sua própria segurança?! Será que terei que contratar um segurança para você?! Já basta seus gastos com luxo em excesso e mais isso agora!

            A amiga da Becca ficou irritada.

            — Eu não gasto demais com luxo e não preciso de um segurança! Só deixei a porta aberta! Não precisa se preocupar, pois não vai acontecer nada como no ano passado!

            Ao ver sua amiga mexendo nos cabelos do lado do rosto, Rebecca respirou fundo e se acalmou.

            — Conte mais sobre seu namoradinho gay. Vocês não transaram? Pelo que ele fez hoje está parecendo que vocês transaram ontem. Sexo oral também é transar

            Um pouco irritada, Alyana contou, sobre seu amigo:

            — Não fodi com ele e nem o chupei... e ele não é gay, apesar de que, ele não tentou fazer nada de errado comigo nas condições que eu estava, por isso acabei por perguntar se ele era gay... Eu sei que foi muita estupidez, mas não consegui me conter.

            — Isso é estranho, pois ele te trocou e não fez nada. Ele é homem, e nem preciso explicar como eles são em relação a você.

            — Até mulheres se sentem atraídas por mim — avisou a Alyana, piscando para amiga.

            Rebecca revirou os olhos, antes de enumerar:         

            — Ele sabe cozinhar, é educado e é bonito. Com certeza ele é gay.

            — Não sei se ele é. Depois ficamos conversando sobre videogame... Sabia que ele gosta de Borderlands e de jogos japoneses antigos? Estou pensando em planejar um dia para jogar com ele. Você poderia vir...

            — Espera um pouco. Não acha que está exagerando um pouco? Você parece até que voltou no tempo, pois o relacionamento de vocês se parece com duas crianças de 12 anos. Não que eu ache ruim, mas pode me contar se vocês transaram. Sabe que eu não ligo para o que você faz com seu corpo...

            Alyana se irritou.

            — Não estou exagerando e você liga sim para o que eu faço com o meu corpo! Já falei que não fizemos nada! Não sei para que tanta obsessão nisso?

            — Desculpa. Pode continuar contando sobre ele.

            — Como eu tinha dito antes: Ficamos conversando sobre videogames. Ele pediu para eu descobri qual jogo de RPG Japonês ele tinha jogado. — Alyana não conseguia esconder a alegria. — Eu acertei, e era bem difícil.

            — Uau! Que jogo era?

            — Era Persona. Não sou tão estúpida assim.

            — Não é... Só é muito nerd. Demais, para ser mais exata. Pensei que você tinha dito que não gostava de videogames e só jogava para atrair novos fãs.

            A amiga da Rebecca ficou surpresa, pois a amiga tinha razão sobre isso.

            — Não sei. Acho que eu gosto sim...

            Rebecca balançou a cabeça, desapontada com a amiga.

            — Você sempre gostou de videogame, mas achou que deveria esconder isso por algum motivo maluco por um tempo.

            Várias lembranças da Alyana jogando videogame de tarde, quando era adolescente invadiram sua mente. As lembranças a fizeram sorrir.

            — Acho que você tem razão. Podemos marcar um dia para jogar então? Quero que você venha. Vai ser muito divertido... Prometo que não vou fazer nada inapropriado na sua frente.

            Ao ver a risada da Rebecca, Alyana ficou confusa e perguntou:

            — O que tem de engraçado?

            — Você parece uma criança. — Ela viu que a amiga ficou envergonhada. — Não acho ruim, mas deveria ter cuidado com ele e não se empolgar muito, pois ele pode ser diferente do que você acha. Não quero que você se meta em confusão novamente.

            — Ele não é diferente — discordou a Alyana, ficando pensativa por alguns instantes. — Ele falou que jamais faria algo com alguém sem o consentimento da pessoa, por mais vulnerável que a pessoa estivesse.

            Depois de soltar um longo suspiro, Rebecca pediu:

            — Apenas tome cuidado com ele... Ou melhor, com qualquer um. Eu sei que você tem suas necessidades, mas não fique se deitando com qualquer um...

            Confusa, Alyana explicou:

            — Eu sei que vai parecer estranho para você, mas não o vejo assim... Não que ele seja feio, ou possua algum defeito... Quem eu estou tentando enganar... Ele é perfeito, mas ao ficar perto dele...

            — Fica excitada.

            — Não! Não é isso que eu sinto.

            — Então explique o que você sente perto dele. — Becca escondeu uma risadinha maliciosa e se sentou ao lado amiga na beirada da cama.

            A amiga dela ficou confusa pensando por algum tempo antes de tentar explicar:

            — Não sei ao certo, mas eu gosto quando ele está por perto... Sei lá... Me sinto segura. Com você também me sinto, mas é diferente.

            — Como é devagar — disse a Rebecca, desapontada com a amiga. — Sabe tudo sobre sexo e não sabe sobre o que está sentindo...

            — O quê?

            — Não é nada. — Rebecca coçou a cabeça para disfarçar. — Acho melhor falarmos sobre negócios.

            — Como estão os seguidores?

            — Eles estão em um pouco mais de 120 mil, mas o número não aumenta e poucos estão pagando. Seus vídeos e ensaios estão vendendo bastante, mesmo com a pirataria correndo solta, porém, ainda é um valor abaixo do esperado para deixá-la viver sossegada como antes.

            Alyana notou que sua amiga estava realmente preocupada com os números. Ela queria poder ajudá-la com isso, mas não conseguia entender metade das contas de despesas que a amiga fazia de cabeça.

            — Eu vou fazer um vídeo novo amanhã. Tenho certeza que as coisas vão melhorar. Não precisa se preocupar.

            — Você tem que fazer um vídeo amanhã, pois seu cronograma está atrasado.

            — E o estúdio que você visitou?

            Becca começou a rir antes de responder:

            — Vou fazer a mesma pergunta que eles fizeram para mim: “Quantos litros de esperma a Alyana consegue beber de uma vez?”

            As duas fizeram uma careta.

            — Espero que você tenha rejeitado?

            — Com certeza. — Becca se espreguiçou e depois abriu a boca. — Acho que eu vou embora. Vejo que você está bem, e agora tem seu namoradinho gay para ajudá-la...

            — Vai ficar com ciúme? Não parece algo que combine com você.

            — Apenas descanse — mandou a Becca, acariciando o tornozelo machucado da amiga, que se esticou. — Ficou excitada?

            — Não, mas se quiser dormir aqui, tenho certeza que vou ficar excitada com você.

            — Pare com as brincadeiras. Amanhã eu já vou chamar a maquiadora e o fotografo.

            Alyana ficou contente e riu empolgada.

            — Faz tempo que eu não os vejo. Será que eles sentiram minha falta?

            — Pergunte para eles amanhã. Tenho certeza que a Natasha vai querer saber tudo sobre seu namoradinho gay.

            — Ele não é meu namoradinho gay!

            Antes de sair do quarto, Rebecca pegou as louças sujas e avisou:

            — Não vai brincar com aquela panela de pressão.

            — Eu nem sei acender o forno. — Alyana, na verdade, estava louca para ir ver a panela.

            — Por isso que estou avisando.

            — Até logo.

            Rebecca sacudiu a cabeça, desapontada com amiga.

            — Até amanhã.

            Finalmente Alyana estava só, mesmo querendo ir na cozinha ver a panela, desistiu, pois queria está pronta para o dia seguinte. Ela desligou a luz e pegou seu laptop, já queria saber sobre seu vídeo no Youtube, mas não queria a amiga espiando, mesmo que ela já tivesse dado uma olhada no vídeo de qualquer forma. Será que o Alek viu? Se perguntou a Alyana, ficando envergonhada. Ela viu que o número de visualizações passou de 200 mil e ao ver os comentários, começou a respondê-los, até os maldosos e pervertidos, porém, um comentário chamou mais a atenção dela do que os outros; era de uma mãe de um garoto de 16 anos, ela reclamava, pois seu filho tinha visto o vídeo no Youtube e depois descobriu sobre o trabalho da Alyana, o que o fez gastar dinheiro com os vídeos para maiores e ele foi pego pela mãe. A mãe do garoto estava muito irritada, chamando a Alyana de puta e falava que ia processá-la.

            — Que ousadia. Não sabe criar o filho e depois coloca a culpa e mim.

            Alyana respondeu ao comentário do jeito que falou, depois foi cuidar dos outros comentários e colocou um aviso em seu site oficial, que gravaria um vídeo novo. Pela reação de seus fãs, com certeza seu novo trabalho ia fazer bastante sucesso.

 

            Já se tinha passado algumas horas e Alyana já estava com sono. Ela ignorou a amiga Rebecca a chamando no Skype, pois só queria dormir, mas a mãe do garoto postou outro comentário, muito mais ofensivo, que a deixou irritada, fazendo-a responder. As duas ficaram trocando farpas por várias horas até a Alyana adormecer com o laptop ao seu lado.

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